segunda-feira, 16 de junho de 2008

O Luto de um Pai!





De acordo com a nossa sociedade, existem regras de comportamento e até de sentimentos.

Uma mãe que não expresse o seu sofrimento de uma forma clara, pode tornar-se vítima de comentários e assusta a sociedade com sua aparente “frieza”, e o mesmo, estranhamente, acontece quando um pai expressa toda sua emoção publicamente.

Os tipos de perdas e relacionamento também influenciam a aceitação social da perda. Por exemplo, a relação entre um pai e um filho abortado não é tão reconhecida quanto a de um pai com um filho maior, portanto, esse tipo de luto não é validado.

Na comunicação social, quando somos notificados da morte de algum jovem ou criança, quem aparece a fazer declarações e a resolver as situações burocráticas na maioria dos casos é o homem (pai). O que me parece que é desconhecido é que muitas vezes estes pais têm de conter seu sofrimento com a intenção de poupar a mulher, o que muitas vezes é visto como uma postura de frieza em relação à perda. O que não é verdade. É que no meio de tantas obrigações e expectativas sociais, fica difícil para os homens demonstrarem o seu sofrimento pela perda.

Lamento que o luto de um homem que perdeu um filho, não tenha direito a algum tipo de tratamento e acompanhamento psicológico.

Muito se estuda sobre a dor das mulheres e mães que perderam filhos, mas pouco se encontra nas prateleiras de livros e teses sobre luto, questões referentes ao luto paterno e ao luto masculino.

O Luto masculino acaba por ser marginalizado e pouco estudado, devido a regras sociais que impõem que os homens não devem demonstrar com lágrimas e emoções o seu pesar. Mas nem por isso os homens deixam de expressar de outras formas, as suas emoções, e por isso, o luto masculino, deveria merecer mais atenção.

Após a perda, e num primeiro momento, entramos em choque, não conseguimos acreditar na morte (perda) do filho, tomando uma postura de negação em relação ao ocorrido. Há uma tentativa de continuar a viver como se nada tivesse acontecido. É uma reacção de defesa contra o impacto da perda.
Depois, vem uma fase de raiva, muita raiva. É uma fase de bastante inquietação, onde acontecem os sonhos diários com o filho perdido.
Segue-se o desespero: fase bastante difícil, na qual, damos conta que, de facto, a perda é irrecuperável. É a fase de apatia e depressão.
Posteriormente, a depressão mistura-se com sentimentos bons, vamo-nos adaptando às mudanças ocorridas na nossa vida, consegue-se reinvestir a energia noutras coisas e a nossa relação com a perda é estabelecida de uma forma diferente e mais pacífica.
Na minha opinião, a grande dificuldade que os homens têm para superar o luto, é o facto desse luto não ser reconhecido.
Isto ocorre sobretudo quando a perda sofrida pela pessoa não é considerada significativa pela sociedade em que se vive. O grande exemplo é a perda de um filho abortado.
O luto paterno, não é, de facto reconhecido. A sociedade espera que um homem seja forte e não demonstre publicamente seu sofrimento. Assim, quando um homem sofre uma perda, muitas vezes, a sociedade e o grupo à sua volta reage como se o homem não sofresse (às vezes como se não existísse), e passa a dedicar o seu apoio à mulher, enquanto o homem se dedica a resolver aspectos burocráticos e concretos relativos à perda. De facto, o sofrimento masculino, muitas vezes, não é reconhecido.
E o problema é que um luto quando não é reconhecido, pode tornar-se num luto complicado e doloroso na medida em que o “enlutado” não pode ou não consegue expressar a sua perda como gostaria e/ou deveria.
Acredito que o impacto da perda de um filho em qualquer idade ou circunstância pode permanecer por anos, e essa é certamente uma das perdas mais devastadoras que um ser humano pode sofrer.
O luto de um pai, por aborto de um filho, dado não ser tão reconhecido, tem o problema de “adiar” o processo de luto. E porquê? Porque como ninguém oferece “ajuda”, o pai tem dificuldade de demonstrar as suas fraquezas publicamente e até, de pedir ajuda, pois isso (eventualmente) seria um sinal de fraqueza face às expectativas colocadas sobre ele. Ele passa a acreditar então, que as suas perdas não devem incomodar os outros, pois dizem respeito única e exclusivamente a si. Já as mulheres expressam facilmente seus sentimentos, sendo-lhes disponibilizadas ajudas, quer pelo núcleo familiar e amigo, quer de acompanhamento psicológico, previsto na lei.
Essa repressão dos sentimentos provoca nos homens diversas reacções fisiológicas, como insónia, mal-estar, stress, que acaba em fadiga.

Após esta explanação, gostaria de deixar aqui algumas questões para reflexão.

Caso o luto de um pai, que perde um filho abortado, fosse reconhecido pela sociedade, e o homem também fosse submetido a um acompanhamento psicológico a par com a sua esposa, a dor seria ultrapassada mais rapidamente? Ou, pelo menos, o casal compreenderia melhor a forma de sofrimento um do outro?

Se um pai enlutado tivesse tido a oportunidade de expressar seu pesar, no momento certo, sofreria menos?

Por fim, gostaria de alertar, para a importância da educação para a morte na nossa sociedade, para que as pessoas compreendam mais e aceitem todos os tipos de perdas e expressões de morte, evitando por vezes, que pessoas enfrentem lutos complicados, dolorosos e por vezes solitários.


Paulo Sousa

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